O PAVIO
Não tenho nada mais para te dar,
Sinto que consumi meu último pavio.
Jogadas sobre as mesas estão todas as minhas jogadas.
Revelei segredos, te ensinei a ler pegadas.
Fiquei nu, quase transparente, de tanto que me despi agora só me resta o nada.
Nenhuma surpresa a mais.
Agora sou somente o que sou em carne e osso.
Nem um último desafio, todos os filmes foram vistos, tenho na boca uma lembrança de todos os pratos desejados.
Cartola vazia. Fogem meus coelhos por todos os lados em alucinada evasão...
Cumprimos, cegos, todos os tratos,
Consumi-mo-nos numa perfeita exaustão.
Falei poesias que, como esta, valem por todas as poesias ainda não ditas.
Sem querer já podes intuir tudo mais que direi até o meu último dia, não precisas mais de mim, nem de uma única linha.
Sou todo eu um livro que te foi dado e agora restarei na tua estante, ser tão potencialmente teu me faz, pressinto, igualmente dispensável.
Queria ter guardado uma última surpresa, queria não ter esgotado tão radicalmente meu arsenal de piadas.
Queria uma carta escondida, uma última jogada.
Queria uma palavra nunca dita, uma música nunca ouvida, um pavio a ser aceso na última hora e que nos incendiasse, uma arma a ser sacada quando não mais houvesse outra esperança.
Mas amei tão sem resguardo que me esvai em todos os sentidos,
Não deixei nada escondido,
Tanto me dei que restei vazio,
Há, como eu queria ter um último pavio !
Nenhum comentário:
Postar um comentário