
Abandonando-se a história oficial, das grandes personalidades políticas e religiosas, deixando um pouco de lado os discursos e códigos morais de conduta, penetrando-se nos lares e no cotidiano dos indivíduos que estão à margem dos cargos públicos e políticos, pode-se tentar perceber os modos mais autênticos da vida de indivíduos simples, homens e mulheres que mantêm entre si relações que freqüentemente fogem aos regramentos e padrões do que seria adequado e aceitável para uma determinada época. É esse um dos pontos principais abordados pela chamada "História da Vida Privada".
Nesse contexto, trago um relato interessantíssimo do que ocorria em um lar ludovicense no ano de 1836. Em pleno século XIX, onde se estabeleceram rígidos padrões de comportamento em quase todas as esferas da vida social, no ambiente meio urbano de uma cidade pequena e distante dos grandes centros do Império, verdadeiramente localizada num "obscuro canto do mundo", como bem disse João Francisco Lisboa, onde tudo se sabia e comentava, verifica-se que a fissura em uma das mais basilares estruturas oficiais de organização da sociedade, até os dias atuais defendida pelo Estado, jamais poderia passar desapercebida.
Segue o relato de um pai que traz à público o desregramento das atitudes de seu filho, e a ruína financeira e moral que este último fez decair sua própria família:
"Manoel José de Azevedo, morador nesta Cidade, faz publico aos habitantes da mesma, e de toda a Provincia que seu filho Domingos Jose de Azevedo cazado com Crispina Thereza de Jezus, e hoje della divorciado por sentença, tendo dissipado total e completamente o seo cazal por meio do mais escandaloso e vergonhoso deboche, especialmente a embriaguez, e tendo consequentemente reduzido á ultima, e mais deploravel miseria a sua mulher, e duas innocentes e desgraçadas filhas de tenra e infantil idade, contrahindo frequentes dividas revestidas de simulação na sua maior parte, e applicando sua importancia para nutrir terriveis desvarios de sua escandaloza vida, o que tudo he bem notorio nesta Cidade: consta agora ao Annunciante que o mesmo seo desgraçado filho continua a contrahir dividas com pessoas, que sem respeito ás Leis, sem moral, e sem pejo concorrem para augmentar a desgraça daquele infeliz e embrutecido Cidadão, emprestando-lhes dés, e debitando-o por cincoenta, ou cem; constando outro sim que o mesmo seo filho não só contrahe semelhantes dividas esperançado na herança, que lhe deve tocar do Annunciante seo Pai, mas que até já trata de fazer venda della a esses vorazes lobos, por tão malvada maneira querem reduzil-o cedo a fome, e a mendicidade, fazendo ao mesmo tempo transcender tantos males as duas innocentes netas do Annunciante, e desventuradas filhas daquelle labéo dos Pais [ oh dor !!!] o Annunciante aviza, e roga ao respeitavel Publico que ninguém faça o minimo negocio, ou transação de qualidade alguma com o dito seu filho Domingos Jozé de Azevedo; pois que o Annunciante em breve vae lançar mão dos meios que as Leis prescrevem para do modo possivel por termo á desenvolta, e desgraçada carreira daquele filho, que tanto e tão afincadamente tem amargurado os ja mui cansados dias de seo Pai, e qua incessantemente lhe cava sua sepultura. Maranhão 8 de Novembro de 1836. Manoel Jose de Asevedo." (O PUBLICADOR OFFICIAL. QUARTA-FEIRA 9 DE NOVEMBRO DE 1836. Nº 518. 3116).
4 comentários:
Loucura Loucura!
Realmente muito interessante o relato... Talvez o pai, envergonhado com as atitudes do filho, toma a decisao de escancarar o comportamento vergonhoso do filho perante a sociedade para mostrar seu posicionamente perante seu lamentavel drama familiar... muito interessante mesmo!
Diogão, valeu, mais um grande artigo.
Diogão, valeu, mais um grande artigo.
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