Alfonso Procópio,
Consultor sentimental e colunista
Por alguma fatalidade genética, algum descaminho na alardeada
miscigenação que resultou no feliz homem brasileiro, eu, nordestino
e pouco homem, não tenho bigode. Falta a mim aquilo que fez tantos,
de Super Mário (este bigodudo pelos pixels de seu tempo) a Fred
Mercury (bigodudo por sua moniquice), homens possíveis de
reconhecimento imediato, por ostentar no rosto a marca maior de seus
hormônios em flor, de sua machidão resoluta e, no fim das contas,
de um adereço natural tão precioso que mesmo o desleixo que o deixa
crescer é cinicamente chamado de cultivo.
Nunca me fez falta o tal bigode. Minha imaginação contrastava o
encanador italiano com um velho barrigudo comedor de sopa e fumante,
e qualquer pretensão bigodística ia pro saco ao lembrar que figuras
como Hittler e Sarney também poderiam assinar sentenças de morte
com fios de aristocráticos mustaches.
Mas os tempos são outros, caro leitor, tempos confusos e impiedosos
para nós. Explico:
O bigode é o novo orgasmoball, o novo consolo, novo pozinho de
bruxa, o novo Kid Bengala.
E não começa com ele.
Qualquer passada de olho em filmes ou publicações pornográficas
recentes, ou qualquer foto de mulher pelada vai mostrar uma total
ausência de pelos. Aquilo que dava personalidade às xerecas nas
décadas passadas, com desenhos variados, mensagens cifradas,
abundância e arquitetura deu lugar a um vazio total que não só
infantiliza o objeto, como tira do enlace boa parte de seu mistério,
deixando o pobre macho perdido, sem o cheiro de selva molhada que era
o antegosto da caça. No minimalismo contemporâneo, que deixa ali
somente um traço reto apontando para o sul, uma seta, resta ao homem
não apreciar, porque não há mais uma construção, mas deleitar-se
sem rodeios ou cafunés. Aquela coceira na ponta do nariz, o formigar
nas bochechas e a tapeçaria convidativa deu lugar a um vazio e, se
você chegar um pouquinho atrasado, a perigosos e desagradáveis
penicos.
Exceto se você tiver um bigodón!
Do mundo das xerecas desbastadas, parece, como uma resposta da
natureza, emergir cada vez mais a figura do macho de bigode, como a
dizer a elas que o que lhes falta lá embaixo nos sobra aqui em cima.
O bigode seria uma tomada de posição.
Só que não. Ou não só.
Uma amiga, detratora empedernida das taturanas faciais, me confessou,
assanhadíssima, ter pirado no desempenho de um rapaz com cara de
Nietsche. “O bigode do cara era tão grande”, disse ela, “que
eu achei que era uma barba” (barba ela curte). Na hora agá, quando
a descalcinhada revelou o óbvio contorno completo da minha amiga, e
o moço se pôs a trabalhar naquele canteiro de obras abandonado, a
moça sentiu subir-lhe pelas entranhas a mesma força que sentiu
Benjamin Franklin ao empinar seu papagaio.
Eletricidade. Troca de cargas constante entre a pele perfumada da
minha amiga e o espanador acaju do rapaz. Eletricidade estática. A
mesma que faz folhas de papel não desgrudarem.
Nada de vibradores, cassetetes ou o caralho, que mesmo o caralho do
rapaz não chegou perto da experiência do bigode. Quanto mais o moço
ia e vinha ela lhe pedia que falasse e cada palavra dele era uma
descarga discreta e direta, como a que a gente sente ao colocar na
língua uma bateria 9 volts. Antes aquilo não acontecia, segundo
ela, porque ela mesma atrapalhava com seu monte de vênus.
Agora ela anda espalhando por aí, convicta, que o bigode é o novo
orgasmoball. Conta a coisa procedimentalmente, e calhar é capaz de
meter um multímetro na xereca pra quantificar o amor que lhe dão.
Fica a dica.
(Texto de Bruno Azevedo, Escritor e tradutor maranhense, autor de livros como "O
Monstro Souza [Romance Festifud]" e "Breganejo Blues - Novela
Trezoitão", "Baratão 66" e "A Intrusa", folhetim
publicado mensalmente no jornal Vias de Fato. Formado em História, com mestrado em Ciências Sociais,
também é pesquisador e professor universitário e honra a MatracaDigital oferecendo o seu texto para publicação no nosso modesto blog cultural.)
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